quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O modelo de produção agrícola em discussão - parte 1

O 2,4-D e a toxidade dos agrotóxicos. Entrevista especial com Karen Friedrich

 1ª Parte da matéria " O Modelo de Reprodução Agrícola Em Discussão"


Entrevista especial com Karen Friedrich, "O modelo de produção agrícola baseado na 'tecnologia' química e de transgênicos tem que ser revisto", afirma  toxicóloga. Com a resistência gradual das pragas e plantas daninhas aos agrotóxicos tradicionais, a indústria dos transgênicos precisou buscar alternativas mais eficientes para a manutenção de seus resultados. Uma das apostas do mercado é liberar a comercialização de sementes resistentes ao herbicida 2,4-D. A substância já tem o seu uso regulado no País, mas, ainda assim, dúvidas quanto à sua segurança toxicológica levaram uma série de especialistas a apontar a exigência da revisão de sua licença. Neste contexto, a toxicóloga Karen Friedrich alerta: " a liberação da semente legitimaria uma forma de aumentar a aplicação de uma substância tóxica, cujo uso deveria ser diminuído, não incentivado.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU (Instituto Humanitas Unisinos) On-Line, Friedrich alerta para os perigos da substância, que é conhecida como um dos componentes do Agente Laranja. O composto foi usado pelos estados Unidos durante a Guerra do Vietnã como desfolhante, e sua toxidade gerou milhares de relatos sobre a má-formação congênita, câncer e problemas neurológicos. Ainda assim, desde 1945 a substância teve sua patente requerida e utilizada para a agricultura. A toxicóloga da Fundação Oswaldo Cruz ressalta que o uso conjunto do 2,4-D com o 2,4,5-T é que forma o Agente Laranja, mas isoladas as substâncias também geram graves problemas. "Temos vários estudos mostrando que o 2,4-D está associado a alguns tipos de câncer, como aos relacionados a alguns órgãos sexuais e linfomas", relata ela. "Há estudos indicando alterações de hormônios sexuais e das funções da tireoide", sem a produção de dioxina como subproduto - uma substância extremamente tóxica.

Para a toxicóloga, as empresas de agrotóxicos apresentam-se como a "solução de todos os problemas" do trabalhador rural e da produção de alimentos no mundo, mas este discurso é enviesado devido aos interesses comerciais envolvidos. " Temos que fazer essa discussão com base científica. Tirar essa discussão ideológica da produção e do desenvolvimento e ver o que é bom para o meio ambiente, para a saúde, e que ao mesmo tempo sustente economicamente o país" Karen Friedrich possui graduação em Biomedicina pela Universidade federal do estado do Rio de Janeiro, Mestrado e Doutorado em Saúde Pública pela Escola nacional de saúde Pública  Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é servidora pública do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz e professora assistente da Universidade federal do estado do Rio de Janeiro. A seguir a entrevista:

IHU On-Line - muito se comento sobre o alto nível de toxidade do herbicida 2,4-D. O que pode dizer sobre este composto? Qual a situação do 2,4-D no Brasil?

Karen Friedrich: o 2,4-D é um herbicida, como você falou e tem seu uso liberado no Brasil. No entanto, segundo os critérios da legislação brasileira , ele já poderia ter um indicativo de proibição. Ele é usado em outros países também, mas a legislação desses países é diferente da nossa. O único problema é que fazer a revisão de uma agrotóxico no país é um processo complicado, no sentido que a ANVISA ou o Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, propõem essa revisão de acordo com os efeitos que as substâncias podem causar sobre a saúde humana ou sobre o meio ambiente. Mais do que isso, quando as entidades tentam iniciar o processo, incorre a oposição de uma série de processos e mandados oficiais tentando impedir essas revisões de registros. A revisão de registro é imediata, não é um processo muito simples, mas os estudos científicos publicados sobre a toxidade do 2,4-D indicam que ele apresenta vários efeitos sobre a saúde. teria, por exemplo, efeito sobre o sistema reprodutivo, sobre o sistema hormonal...

IHU On-Line - o 2,4-D é parte do Agente laranja usado pelos estados unidos na Guerra do Vietnã, mas é a combinação de elementos que torna o agente perigoso. Quais riscos ele sozinho pode trazer?

Karen Friedrich: Depende do tipo de estudo conduzido. Há pesquisas indicando alterações de hormônios sexuais e das funções da tireoide - glândula importante para uma série de funções do nosso corpo. Além disso, geralmente há vários estudos mostrando que o 2,4-D está associado a alguns tipos de câncer, como os relacionados aos órgãos sexuais e linfomas. esses estudos de cânceres já foram evidenciados não só em animais de laboratório, como também em seres humanos expostos ao 2,4-D. No caso do Agente Laranja, ele é um dos componentes junto ao 2,4,5-T. os dois juntos aumentavam muito mais chances dessas contaminações toxicológicas, tanto que seu uso gerou um desastre muito grande, com milhares de pessoas atingidas. Claro que ele está presente nos alimentos em concentrações menores, mas há outra característica que eu também destaco: o 2,4-D causa mutação no DNA.

IHU On-line Ela pode ser transmitida para gerações?

Karen Friedrich: A mutação tanto pode ser em uma célula somática, que é a que leva ao câncer, ou em células germinativas, que é a que vai se juntar com a célula do sexo oposto para gerar um embrião. caso a mutação ocorra nessa última, pode levar a má-formação fetal, abortos instantâneos... outro detalhe é que a produção do 2,4-D gera um contaminante e isso é inevitável para a própria indústria química. Ela pode até diminuir esse subproduto por alguns processos, mas não consegue evitar a presença desse contaminante (dioxina) no produto (herbicida).

IHU On-Line  - Quais problemas são causados pela dioxina?

Karen Friedrich - Ela é extremamente tóxica. Causa imunossupressão, ou seja, diminui a resposta do sistema de defesa do organismo. Esse sistema de defesa é responsável não só pela defesa contra patógenos, mas para a própria vigilância do câncer, causa também efeitos de intoxicações agudas graves e pode causar também câncer, alterações reprodutivas e alterações hormonais. Uma das substâncias mais tóxicas sintetizadas pelo homem é a dioxina. Então o que acontece é que mesmo saindo da fábrica com aquele resíduo de dioxina que esta dentro de um limite legal, a partir do momento em que sai da fábrica ele pode gerar espontaneamente dioxina no próprio produto. Temos  uma escassez de laboratórios oficiais que monitoram dioxina não só no produto, mas depois, nos alimentos. Então, por esse lado, pela própria característica dela, do 2,4-D, e pela característica do seu principal contaminante, é que a dioxina é um produto que a gente deveria banir do País. Esses efeitos seriam um indicativo de proibição no país segundo a Lei 7.802 de 1989, pois a dúvida sobre sua segurança levaria ao que conhecemos como "Princípio da Precaução". Muitas pessoas criticam a legislação, declarando qu3e em outros países o 2,4-D  é liberado e que por isso também deveria ser permitido aqui dentro. Isso não é verdade, já que outros países têm outras legislações que não inserem esses efeitos no seu critério de proibição. Nós inserimos e temos que obedecer à legislação brasileira.

IHU On-Line - Se temos tantos estudos que mostram as complicações dele, o que falta então para ser proibido?

Karen Friedrich - Acredito que falta um pouco de iniciativa da Anvisa de se disponibilizar a fazer essa reavaliação, de forma que várias instituições de pesquisa possam auxiliá-la nisso. Sabemos que diversos órgãos sofre falhas estruturais, escassez de recursos humanos e de recursos financeiros. Eu não digo nem que seja culpa da Anvisa não querer fazer isso, mas que o próprio governo deveria repensar o fomento para a produção agrícola e as áreas de desenvolvimento, ao mesmo tempo investindo nos órgãos que vão dar suporte e segurança à população a partir do que é produzido. Se pensarmos em todos os produtos que ela avalia que não é só agrotóxico, como medicamentos, alimentos e mesmo as regiões de fronteira, veremos que é uma grande diversidade de produtos que se deve dar conta. Então o que falta? Acho que falta um pouco desse investimento e a Anvisa talvez procurar parceiros como ela já fez em outros momentos, para auxiliá-la na revisão desse registro. isso é um ponto fundamental..

2ª Parte da matéria "O Modelo de Produção Agrícola em Discussão" no próximo texto em 18/01/2014 

Iracema Alves/ jornalista cadeirante/ digitou em 15/01/2014 / às 18:04 horas
Participação: Wiglinews

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